13.8.08

VII

Pensou no velho, na boca sem dentes coberta pelo farto bigode grisalho. Pensou na barba grossa do velho e na saliva gotejando enquanto ele falava alto. Pensou na janela e no batente encardido de terra. A maçaneta rangia junto com a porta a se abrir. Naquele instante, duas horas da tarde quente de inverno, fingiu que dormia. Era mesmo a senhora dona da casa, esposa do velho. Em meio a penumbra e a fumaça do quarto, deitado, Bernardo rosnou e virou-se de lado. A senhora o chamou timidamente, com receio de acordá-lo. Ela falava algo sobre roupas e sobre o cheiro do quarto. Bernardo sentiu alguma culpa por fingir. A senhora era simpática e prestativa, apesar da submissão ao marido. Aquela maldita submissão ao marido. Segurou a respiração por alguns instantes. Repentinamente não prestava atenção em palavra do que era dito pela velha. Abruptamente. Como dinheiro atirado do alto de um prédio na rua Duque de Caxias às seis horas da tarde. Seu leve incomodo subia pelas paredes. Lembrou-se de um dia. Coisa de um mês atrás. As têmporas inflaram. O sangue. Irado, Bernardo mordia os lábios compulsivamente. Levemente, seu corpo inteiro começava a tremer. O dia em que a velha se mostrara. O dia em que ela revelou algo além da cordialidade e do préstimo corriqueiros. Numa das raras ocasiões em que Bernardo conseguira seduzir uma menina, levou-a para o quarto alugado. Eram, ainda, sete horas da noite. O velho costuma chegar às nove; ele trabalha em alguma coisa relacionada a transporte, motorista de táxi, frete ou ônibus urbano, algo do tipo. Pouco importava, o velho costuma chegar às nove e Bernardo resolvera levar a moça para o quarto. Pela maior liberdade com a senhora da casa, pela prestimosidade quase maternal dela para com Bernardo, ele decidira que não haveria maiores problemas em levar a moça até lá e ficar por alguns minutos. Quando assinara o termo de compromisso ao alugar o quarto, o velho havia sido muito claro: - Não é permitida a entrada de estranhos em minha ausência – a ausência do velho. Enfim, levou-a, levou a menina até o lugar. A velha vira os dois entrando e se deu por desentendida. O casal se trancou no quarto. Às oito horas a porta se abriu. Bruscamente alguém a empurrou pelo lado de fora. Barba e bigode dançavam na face transtornada da figura inchada e velha. Esgueirando por trás da porta, a sombra da senhora. Como duas esmeraldas verde-acinzentadas, os olhos dela esbugalhavam ouvindo tudo sem expressão qualquer.

Nenhum comentário: