8.8.08

VI

Acordou assustado. Algumas batidas na porta do quarto. Certamente era a mulher do velho gordo; fosse ele, não bateria antes de entrar. Afinal de contas a casa era propriedade do velho. Alí dentro ele encarnava todas as instituições. Fato que irritava deveras a Bernardo. Não haviam sido poucas as ocasiões em que fora surpreendido vestindo-se no quarto; ou ainda comendo bolachas recheadas. Bernardo adorava bolachas recheadas e o velho também. É, pior quando com as bolachas. O velho desatava a xingar o rapaz por sua mesquinharia - Onde já se viu: comer guloseimas escondido; negar comida a quem lhe mantêm. É um absurdo. Moleque desgraçado é você. Vai ver que comida minha mulher servirá na janta. Porque a pior pobreza, moleque, é a pobreza de espírito. Safado, você é pobre como eu, mas esse jeito de fazer as coisas escondido... Ah, isso é coisa que não tolero! E depois ainda reclama de que eu entre sem bater à porta. É um sem-vergonha, um mal caráter dos grandes. - Dizia o velho, em um volume tão alto de voz, beirando os berros, que era impossível contestá-lo. Bernardo sentia-se ultrajado. Aquela boca sem dentes cospindo enquanto o diminuia. Sentia-se o pior dos vermes em tais momentos; e pagava em dia, até aquele momento, as contas - até aquele momento. Punha-se a imaginar quando não mais o fizesse.
Tornaram a bater à porta. Certamente era a mulher do velho. Seu desejo era pular a janela. Aliá, seu desejo era continuar deitado. Mas mandar a velha embora seria um problema ainda maior do que levantar-se. O velho, com certeza, assim que soubesse faria questão de escorraçá-lo. Pensou mais uma vez nas possibilidades, antes de ouvir o ranger da maçaneta.

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