21.1.06

Adeus às Armas (E. Hemingway)

"(...) Aos que trazem muita coragem neste mundo, o mundo quebra a cada um deles e eles ficam mais fortes nos lugares quebrados. Mas aos que não se deixam quebrar, o mundo mata-os. Mata os muito bons, os muito meigos, os muito bravos - imparcialmente. Se não pertenceis a nenhuma destas categorias, morrereis da mesma maneira, mas não haverá pressa nenhuma em matar-vos.(...)"

livro IV, capítulo 34, p.216

18.1.06

Fio da meada. Perdi o fio da meada. Não vou mais ao mercado público nem vejo as atendentes da barraquinha; pouco me importam, neste momento, suas características. Da moça de quem deixei de falar sobre, tudo que me resta dizer é que é loira e muito nova, e me pareceu simpática à distância. Mas não me apetece saber mais detalhes dela e da outra mulherzinha e do homem carrancudo da barraquinha do mercado, nem mesmo falar deles ou de qualquer singularidade que possam ter. Hoje, são todos iguais diante de meus olhos, singulares são outros, hoje.
Meu final de semana foi horrível e tenho pensado muito nele durante a semana. Sem fugir à regra as desavenças familiares ditaram o clima em minha casa. Dessa vez foi minha mãe quem deu vazão às suas frustrações, discutindo aos berros com meu avô em plena sala de estar. Como uma criança chorando as faltas de cuidado, ela chorava e gritava fino frente a um pai nada razoável e nutrido de uma postura mais infantil e birrenta que a da filha.
A cena não ficou rodando em meus pensamentos, momentos com esta mesma tonalidade são frequentes na vizinhança; o que me intrigou depois disso tudo, e durante tanto tempo, foi o fato de poucos meses atrás tais ocorrências me chocarem mais e ao mesmo tempo que me encontrava mais fortalecido para encará-las - ao passo que hoje, já não me chamam a atenção sequer sendo que me pegam desprovido de reação racional. E essa merda toda me lembrou de uma outra família, a MINHA família, a que eu constituí e que também era insana, mas era minha e em muitos momentos foi a melhor que já possuí pois os problemas eram meus problemas e estavam à merce das resoluções que eu os desse. "E como eram bons aqueles tempos" fiquei pensando durante uma semana inteira; lembrei de alguns momentos, e deles como os melhores de que posso recordar, os mais felizes e inspiradores. Isso brotado de um péssimo fim de semana em família.
Como dizia o outro "não é possível amar e ser feliz - e ser razoável". Não poderia me deparar com a frase em melhor momento. Ao lembrar da mulher que foi minha mulher, da casa que foi minha casa, e das viagens que fizemos e dos parentes dela que eram meus também, lembrei que acabara de perder o bonde de tudo isso há poucos dias. O bonde com mesmas feições, belo e saudoso e que perdera a marca do tempo, a ferrugem... "Por que fiz isso" fico me perguntando agora. "As coisas mais próximas são aquelas que muitas vezes não conseguimos enxergar", não é verdade? Hein?!
Só me resta, agora que o percebi, correr, correr muito!

13.1.06

A Multiplicidade do Real (paulo leminski)

Que existe mais, senão afirmar a multiplicidade do real?

A igual probabilidade dos eventos impossíveis?

A eterna troca de tudo em tudo?

A única realidade absoluta?

Seres se traduzem.

Tudo pode ser metáfora de alguma outra coisa ou de coisa alguma.

Tudo irremediavelmente metamorfose!

12.1.06

Duas figuras, essas atendentes da barraquinha. A primeira, a mais velha, tem algo próximo a trinta e cinco anos de idade. Vive com um sorriso desajeitado no rosto. Seus cabelos são negros e cacheados, caídos até os ombros; percebo isso pois me enerva penssar que eles deveriam estar presos e não soltos, espalhando bactérias por toda a comida, fios e mais fios caindo nos copos de liquidificador, ou na estufa de salgados, ou ainda no óleo de fritar pastéis. Não que me interesse muito o fato, apesar de me adoentar um pouco as idéias, apenas o cito pois me lembra dos cabelos da tal atendentezinha mais velha.
Bem, além dos cabelos e de sua baixa estatura - a mulherzinha mede pouco mais de um metro e meio -, ela não é gorda; não é muito magra nem muito gorda, não tem a carne rígida de uma jovem, é certo, entretanto não desancou a embarrigar feito uma velha decrépita sem um pingo de amor próprio - não, a mulher não é barriguda, de forma alguma.
Mas o principal vem agora, o que definitivamente chama a atenção na pequena mulherzinha da barraca de sucos: seu rosto; um rosto enrugado em sorriso. Pequenos olhos castanhos, arcados e fechadinhos como duas minguantes separadas por um espelho, dão a impressão de esconderem-se de algo por detrás das palpebras. Me parece que a mulherzinha se esconde toda atrás daquelas pálpebras, com medo. Os olhos estão sempre a sorrir, bem como a boca. Mas, é aí o que instiga a curiosidade: o movimento disparatado dos três - olhos e boca; há um mesmo rosto sorrindo dois sorrisos. Enquanto os olhos sorriem fechando-se, arndo-se num movimento vertical, seus lábios, lábios escuros e aparentando ainda guardarem da juventude certa maciez, mas que, em conformidade com o corpo, não exibem muitos exageros para mais ou para menos em quantidade de carnes, seus lábios ao sorrirem brotam como uma rosa, da face, num movimento diverso do dos olhos, um movimento preponderantemente horizontal. Uma total falta de harmonia toma conta daquela figura, um elegante desarranjo entre olhos e boca que acaba por enrugar de maneira estranhíssima toda a extensão do rosto. Isso me chama muito a atenção, é, realmente um charme dessa moça. Ah, eu me delito com essa anormalidade; exala simpatia um mulherzinha que de tanto medo se esconde atrás de um sorriso desengonçado que retorce, decerto pelo constrangimento, tudo o mais consigo.
Esqueci de mencionar que ela mostra os dentes enquanto fala. Não, não de um jeito qualquer - acredito que qualquer um mostra os seus quando fala - ela não, ela apronta um biquinho ao falar qualquer coisa e sempre mostra os dentes - pensando bem, talvez seja o mesmo bico do sorriso, a mesma rosa desabrochada no meio do rosto durante todo o tempo, mesmo ao sorrir; talvez seja esse o tempero cômico da figura - os dentes e seu aparelho de correção ortodôntica a mostra - ha ha ha, são a felicidade do meu lanche as hilárias caretas da simpática mulherzinha.


Hoje estive lá, novamente. Por volta das três da tarde, sem almoço na barriga, desci até o mercado público e tomei meu suco de laranja e meus pastéis de carne. Para minha surpresa o homem não estava desta vez, pude ficar a sós com as moças. Não sei o nome dele, do homem, todos no lugar limitam-se aos "faça isso" ou "aquele rapaz pediu isso e isso", não se tratam pelo nome... Pouco me importa.

11.1.06

Acordei. Mais de dez horas da manhã. O sol arde pra burro por aqui e ardem também as coisas todas mais à essa hora do dia. Levantei suando em bicas e cheirando mal, com o cheiro de fumante pela manhã quando transpira muito durante a noite e o suor seca nos lençois. Não tomei banho nem ao menos escovei os dentes, estava com fome e rastejei até a cozinha a procura de um resto de pão do café da manhã. Tomei um copo de leite e voltei rapidamente para o quarto, aquele calor e a luminosidade excessiva não fazem bem quando se acaba de acordar. Voltei para o escuro do quarto.
Após alguns longos minutos peguei todas as coisas e fui até o banheiro que, ao contrário da cozinha, para alcançá-lo não é preciso sair da casa nem tampouco encarar o sol. Fui ao banheiro, escovei os dentes e fiz aquela merda toda que se faz no quando se acorda cheirando mal.
Já eram por volta de onze horas quando saí de lá. Na cozinha nem sinal de que alguém faria almoço, e isso deixa o cidadão maluco; é hora de bater a fome, onze horas da manhã, é hora do estomago lançar os primeiros lamúrios do dia e qualquer um ficaria em estado alterado se, em sua casa, uma empregada paga para isso, para matar a fome das pessoas, e ela não o fizesse - afinal, ela só precisa esquentar a comida, somente esquentar, pois esta tudo na geladeira e além do mais ela é paga para isso. Mas são já onze e meia, quase meio-dia, e nada de sinal de almoço.
Arrumo minhas coisas dentro do quarto ainda escuro, saio para o quintal e subo na bicicleta, aliás, pego um pão com margarina na cozinha, subo na bicicleta e sigo para o trabalho.

Agora são duas da tarde; e a fome me enche a paciência. Pauso o trabalho e desço até o mercado público pra comer qualquer coisa. No mercado existe uma barraquinha dessas, um box, que vende sucos muito baratos. Nem tão baratos assim porém baratos. Também não é a única barraca a vender sucos, a maior parte desses estabelecimentos do mercado público da cidade vende sucos, e salgados gordurentos de todo o tipo. A questão é que esse lugarzinho que vou é o menos imundo deles, e vende o suco 25% a baixo do preço. Fui até o mercado pra comer qualquer coisa e tomar um suco. Escolhi um suco de laranja e dois pastéis sequinhos de carne; eu sempre tomo suco de laranja pois ouvi, não lembro bem aonde, que falta de vitamina C causa escorbuto e desde então tenho sentido umas dores e inchações estranhas na gengiva. Eu sempre escolho suco de laranja quando tenho de tomar um suco. Comi os patéis e bebi o suco, o suco não tão mal e os pastéis não tão sequinhos. É possível suportar até as cinco horas da tarde com isso na barriga.
Porém, nessa banquinha do mercado há também algo além das outras coisas ordinárias, algo mais que me atrai até lá: suas duas atendentes; existe um homem também no lugar, atendendo, um tipo sério e de poucas palavras e que nunca sai do recinto; recebe o dinheiro, anota os pedidos, mas fala muito pouco e vai sempre direto ao ponto, sempre à cara fechada - meus sucos de laranja ele espreme com uma agilidade impressionante usando aqueles espremedores elétricos; com as duas mãos ele corta as laranjas e com uma apenas ele espreme a fruta, põe no liquidificador o sumo, mistura ao gelo e serve em copo americano largo. Mas esse cara não me interessa muito, o que me põe curioso são as duas atendentes...

8.1.06

...

aguardando servidor...