12.1.06

Duas figuras, essas atendentes da barraquinha. A primeira, a mais velha, tem algo próximo a trinta e cinco anos de idade. Vive com um sorriso desajeitado no rosto. Seus cabelos são negros e cacheados, caídos até os ombros; percebo isso pois me enerva penssar que eles deveriam estar presos e não soltos, espalhando bactérias por toda a comida, fios e mais fios caindo nos copos de liquidificador, ou na estufa de salgados, ou ainda no óleo de fritar pastéis. Não que me interesse muito o fato, apesar de me adoentar um pouco as idéias, apenas o cito pois me lembra dos cabelos da tal atendentezinha mais velha.
Bem, além dos cabelos e de sua baixa estatura - a mulherzinha mede pouco mais de um metro e meio -, ela não é gorda; não é muito magra nem muito gorda, não tem a carne rígida de uma jovem, é certo, entretanto não desancou a embarrigar feito uma velha decrépita sem um pingo de amor próprio - não, a mulher não é barriguda, de forma alguma.
Mas o principal vem agora, o que definitivamente chama a atenção na pequena mulherzinha da barraca de sucos: seu rosto; um rosto enrugado em sorriso. Pequenos olhos castanhos, arcados e fechadinhos como duas minguantes separadas por um espelho, dão a impressão de esconderem-se de algo por detrás das palpebras. Me parece que a mulherzinha se esconde toda atrás daquelas pálpebras, com medo. Os olhos estão sempre a sorrir, bem como a boca. Mas, é aí o que instiga a curiosidade: o movimento disparatado dos três - olhos e boca; há um mesmo rosto sorrindo dois sorrisos. Enquanto os olhos sorriem fechando-se, arndo-se num movimento vertical, seus lábios, lábios escuros e aparentando ainda guardarem da juventude certa maciez, mas que, em conformidade com o corpo, não exibem muitos exageros para mais ou para menos em quantidade de carnes, seus lábios ao sorrirem brotam como uma rosa, da face, num movimento diverso do dos olhos, um movimento preponderantemente horizontal. Uma total falta de harmonia toma conta daquela figura, um elegante desarranjo entre olhos e boca que acaba por enrugar de maneira estranhíssima toda a extensão do rosto. Isso me chama muito a atenção, é, realmente um charme dessa moça. Ah, eu me delito com essa anormalidade; exala simpatia um mulherzinha que de tanto medo se esconde atrás de um sorriso desengonçado que retorce, decerto pelo constrangimento, tudo o mais consigo.
Esqueci de mencionar que ela mostra os dentes enquanto fala. Não, não de um jeito qualquer - acredito que qualquer um mostra os seus quando fala - ela não, ela apronta um biquinho ao falar qualquer coisa e sempre mostra os dentes - pensando bem, talvez seja o mesmo bico do sorriso, a mesma rosa desabrochada no meio do rosto durante todo o tempo, mesmo ao sorrir; talvez seja esse o tempero cômico da figura - os dentes e seu aparelho de correção ortodôntica a mostra - ha ha ha, são a felicidade do meu lanche as hilárias caretas da simpática mulherzinha.


Hoje estive lá, novamente. Por volta das três da tarde, sem almoço na barriga, desci até o mercado público e tomei meu suco de laranja e meus pastéis de carne. Para minha surpresa o homem não estava desta vez, pude ficar a sós com as moças. Não sei o nome dele, do homem, todos no lugar limitam-se aos "faça isso" ou "aquele rapaz pediu isso e isso", não se tratam pelo nome... Pouco me importa.

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