26.8.06

Seus olhos, - Nunca havia visto desses. Não tão de perto - perdidos em um rosto calmo.
E o rosto é como o silêncio. Belo como silêncio. Livre de oscilações bruscas. Calmo, sereno.

Eu te amo. E temo.
Chegou em casa, apática. Deixou o carro, a sala, o corredor e sentou-se em sua cama. Sem uma brisa sequer, o ar do local refletia seu humor estagnado. Minutos depois ele chegou.

- Boa noite, querida! - contente
- Boa noite.
- Aconteceu algo.
- Nada. Estou cansada, hoje o trabalho não rendeu. Não escrevi uma linha.
- Não é isso. - afável e incrédulo, as sombrancelhas arcadas, os olhos fugidios como a procurar algo distante.
- O que é, então?
- Não sei.
- É isso: meu trabalho. Estou um pouco cansada.
- São os últimos meses. Já, já, acaba.
- Eu sei, eu sei.

Ela continua sentada na cama, imóvel. Os cotovelos apoiados nos joelhos. Ombros caídos e os olhos fitando o rapaz. Esses olhos são como duas verdes pedras translúcidas e muito profundas.
Ele encontrava-se escorado no batente da porta. Aproximou-se sorridente. A moça recusou. Nada tirava dela o ar prostrado.

15.8.06

Anton Tchekhov

Será preciso trabalhar e continuar vivendo. Mas tudo parece labirinto. Não podia ser esse meu destino

Não sobra nenhuma esperança. Tenho dores. Preciso de remédios. É lúgubre, mas preciso de morfina para minha alma.

O que se pode fazer? Temos que viver. Temos que suportar com paciência tudo que vem pelo destino e termos uma velhice sem conhecer o descanso.

Quando chegar a hora, morreremos com submissão e vamos dizer, no outro mundo, que sofremos, choramos, que a vida com a morte, que não se ilude nunca, ficou amarga demais. E deus, vai ter piedade de nós.

Merecíamos uma vida luminosa, esplêndida, contetes, felizes. E, vem tudo isso que nos cerca. Porque?

Temos que ter fé, uma fé ardente e descansaremos. Veremos o céu coberto de diamantes. É preciso buscar alegria. Temos que ver o mal de longe. E assim, todos, nos encontraremos e descansaremos.

Descansaremos.
saimos dali: eu, ela e minhas sombrancelhas.

12.8.06

sentou-se ao meu lado. Com receio na voz e em um tom choroso, declarou insatisfação:

- Você sabe que sou comprometida e que isto não esta direito...
- Bem... sei. Agora sei.Mas, e o que se faz numa situação destas? Aliás, ninguém fez muita questão de me deixar isto claro.
- Tudo andava bem antes de você aparecer. Eu não sei o que faço.
- Lá em casa as coisas não andavam tão bem assim. Portanto digo que só nos resta uma alternativa...
- Qual?
- Larga do cara e fica comigo.

encolheu os ombros, sorriu e olhou-me nos olhos. Irônica, levantou aflitas mãos de dedos crispados. Parecia querer arrancar algo de sí, algo além da pele. Eu vislumbrava claramente a contradição lhe corroendo.

- Se chegamos a este ponto, você não poderia estar tão certa de tudo.
- Não estou me sentido bem. Espere um pouco. Desde o dia em que nos vimos...

a situação era tensa porém me divertia com aquilo tudo. Tenho faro para esses casos complicados. Brinco afirmando que os encontro a cada esquina. E, afinal, só me restava gozar da sina.

- Você pretende mudar-se daqui logo?
- Não.
- Vai criar raízes na cidade?
- Não sei. Fico até, ao menos, o fim do ano que vem.
- Dois anos.
- ...
- Ficarei fora nos primeiros seis meses do ano.
- (risos) Eu vou com você - eu, curvado e com a cabeça entre as mãos.
- Isso não esta certo, não esta. Não me sinto bem.

e aproximou-se de mim segurando meu rosto. Me beijou. Me beijou ardentemente e não consegui mais enxergar a culpa antes nítida em seus gestos e em sua feição.

- É bom. E isso ainda piora tudo. Senti saudades suas, sabia. Sonhei com você. Isso não deveria acontecer, não é direito que tudo mude assim tão bruscamente. - com as mesmas mãos aflitas e crispadas balançando ao ar - Tudo andava tão certo Bernardo, tudo tão no lugar...
- Já lhe disse o que penso. - franco e sorridente, ainda zombando de minha infelicidade, com os cotovelos repousando por sobre o encosto do banco - Se tudo fosse assim tão certo quanto você se esforça em dizer, não estariamos aqui.
- Mas não estou em meu estado normal...
- Tanto quanto eu.
- Não consigo confiar nas suas palavras.
- Bem, quem não tem sido muito franca, até aqui...
- Eu sei, eu sei... é que...
- Não estou pedindo nada... Aliás, quero exclusividade,porém somente se for o caso.

o rosto continuava próximo ao meu. A ansiedade ardia naquele curto espaço. Então, como se falasse de outro alguém, mirou minha boca e:

- Acredito nos seus olhos. Suas sombrancelhas é que me põem medo.- os olhos me parecem honestos, e as palavras. Essas sombrancelhas não. São sombrancelhas de um digníssimo malandro, cafajeste... pensava ela.
- Pois, acredite nos olhos e aproveite as sombrancelhas...