9.9.08

X

À merda aquela cana toda, aquele povo faminto a se espremer em um ônibus caindo aos pedaços. O almoço, frio, servido no horário do café-da-manhã de qualquer pessoa normal, à merda ele também. Era o meu quinto ou sexto dia cortando aquela cana toda. E nunca acabava.
Em um dia desses eu desmaiei; a horda de cortadores se engalfinhava em cima de mim pois alguns daquele tipo haviam morrido em pleno expediente, sem aviso prévio, por fadiga ou estresse ou qualquer dessas drogas. Assim como o meu desmaio. Naquele exato momento eu me vi cortando toda aquela cana, de um dourado enegrecido, por séculos. Naquele exato instante enchi o saco; alí caído em meio a tocos de cana, da palha queimada e das cinzas, em meio àquele lugar nojento, quarenta e tantos graus. Quarenta e tantos graus e eu enfiado em cacetadas de roupa. Porque se pode cortar a própria perna com uma lâmina daquele tamanho. E mais essa, ainda por cima. O sol desgraçado queimando meu rosto. Eu olhava para cima e via um bando de mouros. Não tenho a menor intenção de me converter ao islamismo, não tenho. "Saiam daqui!", pensei, "se não houvesse perdido meu facão ao cair, podaria algumas canelas!". Aqueles homens e mulheres desdentados, de faces enrugadas muito precocemente. Todos a empurrar uns aos outros, um rebanho suíno ávido pela carniça jogada ao chão. Vomitei. Vomitei mais uma vez, agora no pé de um deles. Propositalmente. Ele ganiu qualquer coisa que não tomei nota. Foi o primeiro a me dirigir alguma palavra. Todos os outros, imundos de terra vermelha e do carvão da fuligem, balbuciavam opiniões incompreensíveis naquele sotaque interiorano que passava a me irritar, também. Ninguém, inclusive o sortudo de botas sujas, arredava o pé dali. Encarei os da primeira fila, aqueles mais próximos. Quando meu olhar cruzou com o sol, ameacei uma nova investida de meu estômago contra as botas encardidas. Estávamos próximos do meio-dia, o sol como tudo mais alí me era insuportável. Consegui afastá-los aos poucos; a cada nova intenção de regurgito, a gente morena perdia um pouco o interesse ao mesmo tempo que passavam a expressar algum nojo por meu retrato. Notei. Me diverti por alguns minutos. Vomitei nas botas de mais dois peões daqueles. Passaram a me xingar, aqueles putos. Me xingavam e nem sequer estenderam a mão para que eu levantasse. Pus todo meu almoço nos pés daqueles famintos, daqueles porcos. Que fossem escovar os dentes e não me importunassem mais. E se estivessem com fome: alí estava meu almoço.
Aquele dia foi o primeiro de dois ou três dias antes de mandar tudo à merda. Toda aquela cana, aqueles cortadores, o ônibus, o calor, tudo às favas.

5 comentários:

Jossie disse...

Estou curiosa para o próximo capítulo...Todos estamos...

Anônimo disse...

fala rapaz, qual será o destino deste emblemático bernardo? aguardaremos para saber... sucesso na história.. cada capítulo está mais estigante... abraços

Jossie disse...

...por onde andará Bernardo?

Anônimo disse...

viado
www.umpoucotonto.blogspot.com

Ribeirão em Cena disse...

Porra. Bela história, ahn?! Abração irmão!!!